sábado, 25 de junho de 2016

O dia em que eu encontrei um homem esperando por um banheiro há 40 dias em Curitiba

Em 16 de maio encontramos um homem no lixo, no centro de Curitiba e nos dirigimos ao posto da FAS, na Praça Osório, quando tivemos a melhor das surpresas, que foi o atendimento do Assistente Social Estevão, ao qual acompanhamos até a entrega do homem num albergue.

Na última sexta (24.06) eu e Nádia voltávamos de uma audiência no JECRIM e descemos do ônibus na Rui Barbosa, a fim de acompanhar as manifestações do pessoal da Cultura, na Rua XV, quando, passando pelo mesmo posto da FAS na Praça Osório, observamos que um homem pedia explicações, no guichê protegido por uma grade, sobre um cadastramento, que fizera há 40 dias, para ter direito a usar um banheiro, cuja credencial ainda não havia saído.

Paramos para entender o que estava acontecendo e, para nossa, surpresa, o homem era Edilton, que naquela noite de maio, enquanto Estevão recolhia Diego do lixo, se aproximou enrolado num edredon, pedindo para ir junto (e foi) para o albergue terceirizado da Avenida Getúlio Vargas.

Conversamos com Edilton e com o servidor municipal que atendia atrás das grades da FAS (nem quando ali era um posto da PM tinha grades!) e pudemos levantar que Edilton fizera, há 40 dias, sua inscrição para poder utilizar um banheiro público e, naquele exato momento, estava cobrando seu direito à credencial, que até agora não chegou!

Ou seja, Edilton estava querendo saber quando teria o direito a usar um banheiro (!).

Há um banheiro público na Praça Osório, pelo qual se paga R$ 1,00 (um real) a cada vez que precisa utilizá-lo. 

Pelo servidor, soubemos que, como o Edilton, há outras 255 pessoas em situação de rua, que fazem parte da segunda turma de inscritos para ter acesso a um banheiro público e que estão há pelo menos 40 dias esperando suas credenciais.

Não há dignidade alguma em não ter acesso a um mísero banheiro para um ser humano (satis)fazer suas necessidades básicas, como defecar e urinar, com mínimas condições de higiene e privacidade.

Não há mérito algum em uma cidade se dizer ~limpa~, ~asséptica~ e ~europeia~, quando olha para seus moradores de rua como se fossem os ratos da praça Osório, que podem urinar e evacuar em qualquer canto, ou até mesmo nas roupas, sem necessidade de água e sabão e tudo que deve acompanhar, em tese, um banheiro para utilização humana.

Se não for uma questão de amor humano, que seja por egoísmo: um ser humano que vai ao banheiro e lava as mãos, evita a proliferação de doenças na cidade; um ser humano que tem um banheiro onde fazer suas necessidades pessoais, tem a chance de, se sentindo minimamente digno, sentir o desejo de avançar em outras esferas de sua dignidade, representando menor risco para a segurança de outros humanos que têm um teto e banheiros em suas casas.

Edilton não é um rato!

Edilton não é um cachorro de rua, considerando que até os cãezinhos domésticos têm suas fezes recolhidas e são higienizados após os passeios diários!

As duas vezes em que o encontrei, ele exigia seus direitos com muita dignidade!

Da primeira vez, trazendo um cobertor enrolado debaixo do braço, pedia para ser levado até um albergue, para dormir naquela noite fria de Corpus Christi.

Desta vez, exigia seu direito a ter liberada a credencial para usar um banheiro público, em cuja lista se inscrevera há 40 dias.

Uma coisa tão simples, não tem, né?”, disse Edilton.

Mas a cidade que você quer, tem?”, lhe pergunto eu.

E ouço a resposta: “A cidade que eu quero, era pra ter, mas não tem!”

Segundo Edilton, há 40 dias ele vem diariamente ao posto da FAS, verificar se chegou sua credencial para usar um banheiro e todos os dias escuta um “volte amanhã”. 

Se reclamar da demora, é interpelado com a pergunta “e quando não tinha cadastro, você usava aonde?”.

Ou seja, não basta a humilhação de não ter acesso a um banheiro público, o cidadão ainda tem que passar pelo vexame de receber diariamente um "não, sua credencial ainda não chegou" acompanhado de uma pergunta ridícula, que é "e antes de ter carteirinha, como é que você fazia?"

Conversamos com o servidor, que pediu para não ser filmado e indicou que buscássemos dados mais precisos junto ao pessoal da Comunicação Social da Prefeitura.

Entretanto, para nós, o servidor repetiu a mesma argumentação “e quando não tinha cadastro, ele usava aonde? Antes de ter essa conversa toda de carteira, ele usava o quê, como é que ele fazia”?

E, quando falamos em dignidade, o amável servidor disparou: “então, é só esperar a carteira, pra dar a dignidade que ele tanto precisa”.

O servidor disse, ainda, que já saiu credenciamento para a primeira turma, mas que as credenciais da segunda turma, composta por 256 pessoas, estão demorando.

Curioso, sobre nossa preocupação com os direitos do Edilton, o servidor perguntou: “Desculpa, a senhora tá preocupada com as questões dele, a senhora pertence a algum órgão, alguma coisa?”

Respondo ao homem atrás das grades, que sou advogada e defensora dos direitos humanos. “Algum problema em relação a isso?”

E escuto: “Não, é só pra saber, né, porque eu tô vendo que a senhora tá tão interessada, né?”

Sim, Senhor Servidor, nós estamos cada vez mais interessadas na Cidade que queremos. E nela, todos os seres têm DIREITOS!

Confira a matéria no vídeo abaixo:



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